segunda-feira, 28 de junho de 2010

O processo biológico do crescimento: fundamentos de importancia para prática clínica.

De um modo geral, considera-se o crescimento como aumento do
tamanho corporal e, portanto, ele cessa com o término do aumento
em altura (crescimento linear). De um modo mais amplo, pode-se
dizer que o crescimento do ser humano é um processo dinâmico e
contínuo que ocorre desde a concepção até o final da vida, considerando os fenômenos de substituição e regeneração de tecidos e
órgãos. É considerado como um dos melhores indicadores de saúde
da criança, em razão de sua estreita dependência de fatores ambientais,
tais como alimentação, ocorrência de doenças, cuidados gerais
e de higiene, condições de habitação e saneamento básico, acesso
aos serviços de saúde, refletindo assim, as condições de vida da criança, no passado e no presente.
O planejamento familiar, a realização de uma adequada assistência
pré-natal, ao parto e ao pós-parto, as medidas de promoção, proteção e
recuperação da saúde nos primeiros anos de vida são condições cruciais para que o crescimento infantil se processe de forma adequada.

Fatores que influenciam o crescimento:
O crescimento é um processo biológico, de multiplicação e aumento
do tamanho celular, expresso pelo aumento do tamanho corporal.
Todo indivíduo nasce com um potencial genético de crescimento, que
poderá ou não ser atingido, dependendo das condições de vida a que
esteja submetido desde a concepção até a idade adulta. Portanto, pode-se dizer que o crescimento sofre influências de fatores próprios (genéticos, metabólicos e malformações, muitas vezes correlacionados,
ou seja, podem ser geneticamente determinadas) e de fatores
exterior, dentre os quais destacam-se a alimentação, a saúde, a
higiene, a habitação e os cuidados gerais com a criança. Como conseqüência, as condições em que ocorre o crescimento,
em cada momento da vida da criança, incluindo o período
intra-uterino, determinam as suas possibilidades de atingir
ou não seu potencial máximo de crescimento, dotado por sua
carga genética. Com relação ao crescimento linear (estatura), pode-se dizer que a altura final do indivíduo é o resultado da interação entre sua carga genética e os fatores do meio ambiente que permitirão a maior ou
menor expressão do seu potencial genético. Nas crianças menores de cinco anos, a influência dos fatores ambientais é muito mais importante do que a dos fatores genéticos para expressão de seu potencial de crescimento. Os fatores genéticos apresentam a sua influência marcada na criança maior, no adolescente e no jovem.

A herança genética
A herança genética é a propriedade dos seres vivos de transmitirem
suas características. Do ponto de vista do crescimento, a herança genética recebida do pai e da mãe estabelece um potencial ou alvo que pode ser atingido. Poucas funções biológicas dependem tanto do potencial genético como o crescimento. No entanto, a qualquer momento, desde a concepção e especialmente nas crianças pequenas, fatores ambientais podem perturbar o ritmo e a qualidade deste processo. O alcance dessa meta biológica depende, na verdade, das condições do ambiente onde se dá o crescimento da criança sendo sua influência marcante. Existem grandes variações individuais no potencial de crescimento dado pela herança genética. Observa-se, por exemplo, que a variação de altura da população adulta, saudável, do sexo masculino é cerca de 20 cm, enquanto que esta mesma variação entre irmãos é de 16 cm e entre gêmeos homozigóticos é de 1,6 cm. A análise do banco de dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN, 1989), referente à uma amostra de jovens de 20 anos, saudáveis e de classe média alta, todos com uma grande probabilidade de terem atingido seu alvo genético de crescimento, mostra uma taxa de variação nas suas alturas, com os mais baixinhos, podendo apresentar médias em torno de 1,64 cm, enquanto os mais altos poderão ter 1,90 cm ou mais.

Velocidade do crescimento das diferentes partes do corpo:
As diversas partes do corpo apresentam diferentes ritmos de crescimento. Assim, é que a cabeça no feto aos 2 meses de vida intra-uterina representa, proporcionalmente, 50% do corpo; no recém-nascido representa 25% e na idade adulta 10%. A menarca, que expressa o crescimento do tipo reprodutivo, surge na fase de declínio
do pico de crescimento da puberdade. A influência do fator genético na idade da menarca pode ser exemplificada na observação de que, no oeste europeu, irmãs gêmeas homozigóticas atingem a menarca em média com dois meses de diferença, enquanto gêmeas heterozigóticas apresentam uma diferença média de 12 meses no aparecimento do primeiro ciclo menstrual. Existem também diferenças de crescimento de outros tecidos e partes do corpo, como, por exemplo, o sistema linfóide (timo, nódulos linfáticos e massa linfática intestinal) e o crescimento do tecido ósseo (crescimento linear). Isso é muito importante porque
é no período de maior velocidade de crescimento, quando os órgãos e tecidos estão se formando, que o organismo está mais exposto ás agressões externas, onde as lesões são mais extensas e mais graves. Exemplo típico são as lesões do tubo neural que ocorrem nas
quatro primeiras semanas de vida e que dão origem às malformações do sistema nervoso, das quais a mais grave é a chamada espinha bífida.

A influência do meio ambiente:
A influência do meio ambiente ocorre desde a vida intra-uterina,
quando o crescimento é limitado a partir de um certo momento pelo
espaço da cavidade intra-uterina, até a idade adulta. Habicht, em 1974, demonstrou que crianças menores de 5 anos de diversas nacionalidades, crescem num ritmo semelhante (a exceção dos orientais e algumas tribos africanas), desde que submetidas a boas condições de vida. O mesmo não acontece com crianças de mesma nacionalidade,
porém sob condições socio-econômicas diferentes (as de nível alto
crescem de modo similar às crianças de países desenvolvidos, enquanto as de baixo nível -crescem em ritmo mais lento).
Cada vez mais, existem evidências sobre a uniformidade genética
da espécie humana e o peso crescente de outros condicionantes, favorecendo ou impedindo a expressão do potencial genético.
Também se comprovou que filhos de imigrantes japoneses que nasciam
e viviam nos Estados Unidos eram mais altos que os seus patrícios
que permaneciam vivendo no Japão. Atualmente, com o desenvolvimento alcançado pelo Japão, essa diferença desapareceu, evidenciando assim a grande influência que os fatores ambientais exercem sobre a tendência secular de crescimento de grupos populacionais. É importante salientar que quanto mais jovem a criança, mais dependente e vulnerável é em relação ao ambiente. Isso faz com que condições favoráveis ao crescimento sejam função, não apenas dos
recursos materiais e institucionais com que a criança pode contar (alimentação, moradia, saneamento, serviços de saúde, creches e pré-
escolas), mas também dos cuidados gerais, como o tempo, a atenção,
o afeto que a mãe, a família e a sociedade como um todo lhe dedicam.
Tempo, atenção e afeto definem a qualidade do cuidado infantil e, quando maximizados, permitem a otimização dos recursos materiais e
institucionais de que a criança dispõe. Num estudo com 300 pares de gêmeos homozigotos criados separados, e em condições socioeconômicas bem diferentes, observou-se uma variação média de 6 cm de altura quando adultos, sendo que os indivíduos criados em ambientes carentes e com acesso limitado às ações de saúde foram sempre mais baixos que seus irmãos.
Um bom exemplo da influência do meio ambiente sobre o crescimento é o de gêmeos homozigóticos (portanto com a mesma herança e potencial
genético de crescimento): quando criados separadamente em meios
diferentes, o que cresceu em meio favorável tende a atingir sua meta de
crescimento determinada pelo seu potencial genético enquanto o que
foi criado em meio desfavorável, cresce inferior ao seu potencial genético.

O crescimento intra-uterino e o peso ao nascer:
O período de crescimento intra-uterino é de vital importância para
o ser humano. É quando se observa maior velocidade de crescimento.
Uma idéia dessa velocidade pode ser ilustrada pelos seguintes fatos:
no curto período que vai da concepção até o momento da implantação
no útero, o ovo apresenta várias divisões celulares, de modo que, ao
implantar-se, já possui 150 células. Ao final da 8ª semana após a fertilização (cerca da 12ª semana de gestação), termina o período embrionário e o concepto já apresenta a forma humana com braços e pernas, um coração que bate e um sistema nervoso que mostra sinais de início de respostas reflexas ao estímulo táctil. É neste período, de maior velocidade de crescimento, que os riscos externos (agentes infecciosos, mal nutrição materna, uso pela mãe de
tabaco e outras drogas, insuficiente irrigação placentária, enfermidades
maternas, entre outros) de agressão para o feto são maiores, mais graves e com repercussões mais generalizadas. O controle pré-natal periódico desde o
primeiro trimestre e durante toda a gestação,é fundamental para identificar os fatores de risco do retardo de crescimento intra-uterino. No exame clínico da gestante, a altura do fundo de útero para a idade gestacional é uma das medidas de importância para avaliar o crescimento do feto. A sua medida padronizada, seriada e comparada com um padrão de crescimento de peso para idade gestacional permite detectar crianças de risco. Valores abaixo do percentil 10 da referência aumenta em 3,5 % o risco de retardo de crescimento intra-uterino. A associação da altura uterina com o ganho de peso materno durante a gestação tem uma sensibilidade de 75% para predizer bebês pequenos para a idade gestacional. No caso desses dois indicadores apresentarem valores abaixo dos limites padronizados como de normalidade, a gestante deve ser referida para um nível de maior complexidade assistencial.

A desaceleração do crescimento intra-uterino:
O crescimento em comprimento e o peso do feto seguem o mesmo padrão, entretanto, o pico da velocidade de ganho ponderal é atingindo mais tarde, por volta da 32ª semana (terceiro trimestre). Entre a 34ª e a 36ª semana, a velocidade de crescimento do feto começa a diminuir devido a influência do espaço da cavidade uterina que vai se tornando completamente ocupado. Fetos gemelares diminuem a sua velocidade de crescimento mais cedo que o feto único, e isso ocorre quando a soma do peso dos dois fetos é aproximado ao peso do feto único com 36 semanas. A importância prática desse mecanismo de desaceleração do crescimento intra-uterino é que permite a uma criança geneticamente grande crescer no útero de uma mulher pequena e apresentar peso de nascimento nos níveis mais baixos do
que deveria ter pelo seu potencial genético de crescimento. São portanto,
crianças geneticamente grandes nascidas de mães pequenas que a partir
dos primeiros meses de vida alcançam níveis de crescimento mais altos;
por outro lado, crianças geneticamente pequenas nascidas de mães
grandes tendem a direcionarem-se para níveis mais baixos. Isso tem
uma implicação prática grande, pois durante os 18 primeiros meses de
vida muitos bebês podem mudar seu canal de crescimento para comprimento
e peso, mesmo sem a ocorrência de patologias ou alterações na sua nutrição.
A altura materna é de grande importância em Saúde Pública por ser um marcador da história nutricional da mãe e apresentar forte associação com o baixo peso do recém-nascido. Crianças filhas de mães com altura inferior a 1,50 metros apresentam risco elevado de baixo peso ao nascer. Essa associação é mais marcante nas famílias de baixa renda (menos de
seis salários mínimos de renda familiar).

O peso ao nascer
O indicador que melhor retrata o que ocorre durante a fase fetal é o
peso de nascimento da criança. Pesos ao nascer menor que 2.500 g
podem ser decorrentes de prematuridade e/ou déficit de crescimento
intra-uterino. Recém-nascidos com menos de 2.500 g são classificados,
genericamente, como de baixo peso ao nascer. Vários fatores podem influir negativamente no crescimento intra-uterino, sendo que, no nosso meio, os mais importantes são: o fumo,o álcool e outras drogas, a hipertensão arterial, as doenças infecciosas crônicas, as doenças sexualmente transmissíveis, o estado nutricional da gestante, o curto intervalo interpartal (menor do que dois anos), a elevada paridade, a idade materna (<19>35 anos), a gestação
múltipla e as anomalias congênitas. Por essa razão, são chamados fatores
de risco para baixo peso ao nascer (<2.500g).>37 semanas) que não tiveram bom crescimento no útero, ou seja, apresentam retardo de crescimento, sendo chamados de pequenos para a idade gestacional.
Pode ocorrer que bebês prematuros sejam também pequenos para a
idade gestacional. Outros bebês podem ser grandes para a sua idade
gestacional, como ocorre com bebês filhos de mães diabéticas.
Segundo os dados já analisados do Sistema de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), dos 63% dos óbitos ocorridos em crianças menores de 7 dias, no ano de 1997, com peso declarado no atestado de óbito, 71% tinha peso menor que 2.500g. Nos óbitos de crianças menores de 1 ano, nesse mesmo ano, o peso só foi declarado em 47,18%, desta percentagem (de óbitos com peso declarado) o baixo peso ao nascer esteve presente em 63% dos óbitos infantis. Apesar de toda criança com peso de nascimento inferior a 2.500 g ser considerada como de risco, bebês prematuros (nascidos com menos
de 37 semanas de gestação) cujo peso é adequado para a idade gestacional têm melhor prognóstico (excetuando-se os de menos de 1.000 g), especialmente aqueles que vivem em condições ambientais favoráveis. Tais crianças apresentam crescimento pós-natal compensatório, chegando ao peso normal para a idade. Independente da causa desencadeante, o peso de nascimento inferior à 2.500g é o fator de risco mais comumente associado às mortes Peri natais, e representa um dos principais indicadores de risco para
o crescimento pós-natal, devendo ser investigado em cada criança atendida.
Toda criança com históriade baixo peso ao nascer deve ser considerada como criança de risco nutricional e acompanhada com maior assiduidade pelosserviços de saúde,principalmente no primeiro ano de vida. A velocidade de crescimento pós-natal é particularmente elevada até os dois primeiros anos de vida com declínio gradativo e pronunciado até os cinco anos de idade. A partir do quinto ano, a velocidade de crescimento é praticamente constante, de 5 a 6 cm/ano até o início do estirão da adolescência (o que ocorre em torno dos 11 anos de idade nas meninas e dos 13 anos nos meninos). A velocidade de crescimento geral não é uniforme ao longo dos anos e os diferentes órgãos, tecidos e partes do corpo não crescem com a mesma velocidade.

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